Vemos percebendo com ascensão abrupta da música ambient pelo planeta, que temos um movimento contrário a essa urgência que vem predominando nos últimos tempos a relação dos ouvintes com a música. Para todos terem uma precisão, foi feita recentemente uma pesquisa nos canais de streaming e se averiguou que a ampla maioria do público (principalmente em faixa etária mais jovem) apenas ouve trinta segundos de uma faixa. A farta quantidade de acesso, promove essa ansiedade incessante, e o caminho da experimentalidade vem sendo deveras bem reduzido por uma grande parcela quer ter um ensejo ritualístico para o consumo de uma canção.
Como se dava em tempos remotos anteriores a essa revolução tecnológica, onde o ato da audição entrava no processo do sagrado através de uma conexão precisa das várias sensações e elementos que aquela experiência nos proporcionava em proporções naturais. E nesse processo recente, onde as playlists de instrumental, ambient e experimental vem reverberando em audiência pelo planeta, o coletivo de vanguarda A Demon In Fun City, formado por BC Smith (sintetizadores, guitarras, percussão) e Richard Kadrey (sintetizadores, percussão), desde o isolamento da pandemia quando se conheceram obviamente a distância, começaram a fervilhar criações conceituais sonoras realmente impressionantes em seu contexto arquitetônico.
Aliás, vale frisar que o período de bloqueio e isolamento social nesse triste período da história da humanidade, teve este lado “positivo” para a classe artística: o inédito ócio proporcionando trabalhos incríveis, que serviram para desopilar toda o temor, tensão e ansiedade que pairava no ar, e obviamente contribuiu para a eliminação de “demônios internos” dos mais diversos neste processo produtivo. A junção do autor best-seller do New York Times de roteiros de quadrinhos e filmes, bem como 18 romances (Kadrey), com um autor de trilhas sonoras para mais de quarenta e cinco filmes diversos (BC) só poderia trazer um resultado pra lá de instigante…
O álbum “A Demon In Fun City”, é um excepcional conjunto de seis faixas arrebatadoras, e que impacta pela jornada rumo ao desconhecido promulgada! A abertura com “Welcome The Fun City” é carregada de efeitos lúgubres, proporcionando uma atmosfera sensorial que realmente nos adentra imediatamente a um mundo desconhecido e instigante… As paisagens sonoras nos remetem a trilhas-sonoras de altíssima proporção futurista, sendo que simultaneamente arquétipos singelos de instância progressiva brotam na quebrada disruptiva de cadência, soando como um poderoso elemento surpresa. Uma perfeita conjunção apocalíptica encerra esse processo da experiência, que de tão multifacetada em seus detalhes, praticamente nos tira o fôlego perante este labirinto emocional no qual estamos plenamente “abduzidos”.
“Badlands Neurology” ataca com sintetizadores em profusão em proporções ambient altamente sedutoras em seu intento, onde minuciosamente somos conduzidos a esta jornada exploratória, sem a mínima “pressa” na acumulação desses elementos minimalistas. O adentrar de sopetão de batidas tribais e um instrumento de sopro emulando prerrogativas étnicas, recebe uma virulência eletrônica deveras magistral, somos devidamente “capotados” para dimensões das mais díspares possíveis.
E sempre com aquele espectro enigmático promovendo altíssima expectativa para o próximo ato que é realmente único e inesperado! Aliás, apesar da referência declamada de nomes imponentes como Bill Laswell, Brian Eno, Hector Zazou, Jóhann Jóhannsson e Lustmord, a sonoridade exaure personalidade pelos poros, denotando uma suntuosa identidade artística.
“Girl With The Graveyard Eyes” promove um duelo furtivo entre synths fantasmagóricos de tons épicos com efeitos que denotam serem saídos de uma caverna escura de proporções instigantes. Este processo nos inclina para um processo sedutor ao natural, onde indubitavelmente somos atrelados aos desígnios dessa história que parece rumar a um abismo dos mais profundos, tal qual a produção em aquarela soturna de uma pintura a óleo…
O preceito intimista mediante melodias belíssimas em “Friends In The Woods”, desprende eventualmente ataques portentosos de sintetizadores, e esta correlação de opostos sintetiza a atraente diversidade sonora promulgada neste registro INCRÍVEL! Os prognósticos alicientes que rememoram o genial Vangelis só acentuam a obra-prima inestimável desenvolvida por esse duo, onde o encerramento da faixa com batidas marciais fortes e precisas, só esmorecem este fazer artístico tão louvável.
As pinceladas mágicas de “The Green Room” mergulham em nuvens etéreas, e novamente vemos a estética ambient divulgada por Brian Eno sendo desprendida brilhantemente. As similaridades são sobrepostas em níveis assombrosamente MAGISTRAIS, várias imagens são devidamente desprendidas em nossa mente fruto deste processo. E para finalizar uma das empreitadas mais SENSACIONAIS lançadas em 2023, “Crash” faz jus ao título com uma sucessão de explosões realmente impressionantes! O teletransporte para mundos de narrativas embebecidas em mistério, implodem essa magnitude sensorial nos níveis mais proeminentes possíveis, a viagem é algo transformador e amplamente inesquecível após essa resolução.
Totalmente essencial neste momento vigente, onde para termos uma relação mais impoluta frente a música e seus desígnios, precisamos nos afastar do mainstream e mergulhar de cabeça num contexto incandescente como esse! “A Demon In Fun City” é amplamente necessário e já suscita doce expectativa perante as próximas empreitadas do transgressor duo. Disponibilizado abaixo:
https://ademoninfuncity.com
https://www.instagram.com/fun_city_demon/