A dupla radicada na Sardenha, • Abisso •, composta pelos multi-instrumentistas EryaV e D’avy, mergulham numa premissa sonora que recebe um crescimento de audiência avassalador pelo planeta que é a ambient music. Em tempos onde a informação brota por todos os lados incessantemente, e a humanidade vive seu período de maior aceleração, recentemente foi feita uma pesquisa pelas redes de streaming e se avaliou que a maior parte dos usuários ouve em média trinta segundos APENAS de uma canção.
Neste ínterim, o conceito promulgado desde a década de setenta pelo genial Brian Eno acabou em patamares grandiloquentes chegando a pessoas que sentiam necessidade de uma outra relação com a música, se dedicando a esse momento tal qual um evento de grandes proporções, e embarcando numa jornada sensorial através da percepção aflorada de todas as minúcias possíveis desprendidas em experiências de forte cunho experimental. No caso dos italianos, seu segundo álbum autoral “Cradle Of Ice”, além de trabalhar minuciosamente os espaços, promovendo um duelo de proporções únicas entre piano e sintetizador (que muitas das vezes protagoniza a “viagem”) com os efeitos e ruídos sobrepostos em proporções gradativas, temos a total ausência da palavra PRESSA frente ao processo.
Fora os intentos lúgubres que trafegam para uma atmosfera dark e esfumaçada, com prognóstico de trilha-sonora nos proporcionando uma sucessão de imagens sendo desmembradas sucessivamente em arquétipos misteriosos e futuristas! Mas iremos dissecar essa obra-prima contemporânea fantástica faixa a faixa, com todas as suas minúcias…
“Atrium” denota bastante do que iremos presenciar nessa jornada, com o sintetizador determinando paulatinamente os rumos da progressão imagética, recebendo de forma gradativa e respeitando o espaçamento frente ao minimalismo, que constrói a arquitetura primordial do processo. O piano surpreende com tecladas imponentes (beirando ao erudito), que duelam furtivamente perante essas sensações desprendidas. O registro como um todo nitidamente tem um encadeamento conceitual, pois não percebemos diretamente a passagem para a faixa-título (“Cradle Of Ice”), pois continua-se o envolvente atmosférico que alterna seu paradigma de acordo com os imponentes ruídos que esfacelam essa camada intermitente. Os passos ampliados por minúcias, trafegam por instâncias lúgubres embebecidas numa plataforma de enigmas, e esse estado promove um patamar cinematográfico de altíssima prospecção!
“Transfer” chega com insights apocalípticos e promove um estado tensional carregado de suspense. Cada impacto similar a uma queda ou explosão, traz um elemento surpresa de implicação fulgurante que promove uma palpitação natural pela digressão proporcionada. Impressionante como nem estamos na metade do disco e já vivenciamos sensações das mais díspares com esses três registros…
“Stasis” ruma a um planeta singelo em perspectivas, mas envolto em prismas enigmáticos de rara beleza. Um apontamento a se destacar é o PIANO! Quando recebe os holofotes principais, lhe proporcionando o protagonismo que lhe é cabido, tudo se torna ainda mais emblemático e singular, e esse sem dúvidas é um estado alterado da percepção notório nessas composições. “Secret Pain” incorre neste mesmo patamar, só que promove planos ainda mais tocantes referente as pausas dramáticas inseridas. Um dos momentos mais sublimes desta conjectura tão singular! Os sintetizadores em profusão cósmica de “Moaning“, recebem elementos da natureza altamente sedutores na condução, proporcionando estágios avassaladores em sua propensão gradativa e com elementos suficientes para construir um roteiro de muitas reviravoltas em nossas mentes.
“Cave of Tears” é uma espécie de prolongamento desse ensejo incessante, onde novamente o piano dilacera as estruturas factuais, determinando ainda mais rumores que nos encaminham para um grandioso abismo de possibilidades (como o próprio título determina!)! Onde parece haver impenetrabilidade, é na verdade um convite furtivo para mergulharmos de cabeça e vivenciarmos todos os caminhos tortuosos dessa caverna emergida em incógnitas… “Substratum” caminha por uma estrada tortuosa e ressignificada em pormenores espasmos provindos do subterrâneo de ecossistema espiritual!
“Among The Ruins” enaltece bastante os espaços analíticos, proporcionando aquele processo de imersão deveras necessário perante autoconhecimento e percalços inebriados em intimismo radical. Simplesmente é uma experiência que precisa ser vivenciada por todos aqueles que buscam estágios profundos como acontecem simultaneamente aqui, e além da mera apreciação musical agrega patamares das mais variadas instigações sensoriais, espirituais e psicológicas. Mas a cerebralidade de arranjo e elementos que pautam essa preciosidade instrumental, também é passível de apreciação num sentido mais próximo da convenção cotidiana no ato de ouvir.
Bem, chegamos a esplendorosa encore com “While Waiting“, onde o espasmo apocalíptico é devidamente “atacado” pelo ranger constante da porta, sugerindo que estamos fechando todo o contorno primordial ocorrido em “Cradle Of Ice”. O silêncio que enche o último minuto é também outro impacto suntuoso e esclarecedor deste fenomenal conjunto de dez petardos irremediáveis! Neste momento que as playlists dos streams tem neste gênero um dos campeões de audição, fatalmente um trabalho como o que vislumbramos aqui, exaurindo personalidade pelos poros e denotando identidade artística primordial, chegará até os recantos mais inóspitos do planeta, porque é realmente SENSACIONAL!
Após a visibilidade ostensiva de público e crítica especializada em virtude de “Son of Abyss”, seu registro de estreia, não temos dúvidas perante o amadurecimento musical construído, que o duo • Abisso • ampliará suas fronteiras por paradigmas muito além do estilo que o coloca especificamente nesse nicho. Aliás, roteiros cinematográficos surgirão motivados pela conjunção de imagem + som restituída primorosamente aqui. Obra-prima! Disponibilizado abaixo:
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https://abissomusic.bandcamp.com/releases
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