É tão gratificante quando se é recebido por algo brando e doce. É como o frescor do crepúsculo do amanhecer recebendo o indivíduo para mais um dia. Mais uma oportunidade de fazer a vida acontecer. De fazer tudo diferente. De mudar velhos hábitos. De se propor dar novas chances. E o piano, na forma como se introduz como elemento que puxa a introdução, acaba defendendo esse sentimento de bem-estar ao desfilar, no ambiente, uma gama contagiante de boas energias. Lexicalmente delicado e denotativamente doce, o instrumento chega até a oferecer um lapso de ingenuidade e imaturidade, vista a sua máxima essência pura. Ainda que repita, em um constante looping, suas frases melódicas, o piano não torna a cansão cansativa e entediante. Ele apenas contribui com a disseminação de leveza e sutileza, qualidades essas que muito marcam a faixa-título. Capaz de transpirar frases um tanto dramáticas conforme evolui, a canção dá a entender, até pelo seu próprio título, ser uma obra que instiga, no ouvinte, a reflexão. O pensar sobre si e sobre seus atos. É aí que surge a motivação genuína por mudança, casando com a sensibilidade sonora fornecida desde o momento inicial imediato da composição.
Não importa se ainda se está na cama, mas a partir do momento em que o Sol começa a fornecer sua luminosidade branda e natural no horizonte, o amanhecer já é algo inevitável e consagrado. Com ele, a vida acontece. Os pássaros cantam e os animais despertam de seus sonos profundos, fazendo com que a natureza entre em seu esplendor heterogêneo de atividade. Essa energia de fazer acontecer é despertada através da sutileza, dulçor e frescor com que o piano se movimenta durante a introdução da obra. De caráter densamente açucarado de forma a fazer com que o ouvinte se sinta em um mundo de fantasia, a canção acaba desfilando uma espécie de alegria sorridente genuína que, inadvertidamente, encanta e contagia o espectador. Chegando a até experienciar menções de ludicidade, The Brightness Of The Morning se configura como uma canção de essência profundamente motivacional, que faz com que a audiência se desprenda de qualquer que seja sua zona de conforto e procure fazer acontecer. Uma obra que chama para a ação e incentiva, primeira e principalmente, a vida ante o ócio e o marasmo.
É como sentir o veludo do lençol aquecendo a pele nua das pernas e dos braços conforme a cortina valsa no compasso do vento inserido no ambiente pelas frestas da janela entreaberta. O calor do tecido conforta e aconchega tanto quanto um abraço terno e recíproco em seu sentimento de carinho e compaixão. A partir do dulçor e da delicadeza léxica com que o piano constrói a introdução, essas são paisagens sensoriais difundidas para com o ouvinte. Nesse ínterim, cada esquina sonora confere uma conotação diferenciada, mas pertencente a uma mesma emoção: o romance. Não à toa que, surpreendentemente, o violino surge em cena e levanta sobremaneira não apenas as texturas, mas o sentimentalismo da melodia. É ele que enaltece o veludo e que torna a atmosfera ainda mais aromática. Ainda que dramática em certo aspecto, Ballade À L’Amour traz uma visceralidade tão penetrante que faz com que as lágrimas sejam algo consequente e incontrolável. Afinal, a beleza que dela se faz é cristalina e até pungente. Uma obra dançante que propõe a união de corações que batem em reciprocidade honesta, profunda e sincera.

É interessante perceber como o sonar do piano, aqui, parece assumir, durante os momentos iniciais imediatos, a forma de uma harpa. Com sua ressonância doce e delicada, mas bastante classicista, ele provê um charme que, junto ao violino esvoaçante, flerta com uma temática folk erudita. Cheia de camadas a ponto de ser a primeira obra do álbum até então com um escopo harmônico grandioso e bem trabalhado, The Elysian Slumber ainda parece contar com uma súbita presença do violoncelo, o qual faz com que seu som grave preencha as lacunas restantes e levante a delicadeza espectro-celestial da obra.
Um novo elemento é visto em primeira mão. Um dulçor adocicado de sabor diferente e agradável. Um ingrediente que, assim como aconteceu na faixa anterior, faz nascer uma paisagem um tanto folclórica. A flauta, com seu açúcar quase estridente, assume a função de protagonista absoluta perante o restante da sonoridade, a qual é construída pelo violino. A desenvoltura suspirante desse instrumento inédito faz com que o hipnotismo se configure como uma experiência inevitável para com o espectador. A cada identificação de fôlego tomado pelo flautista é um novo vislumbre cenográfico em sua forma fantástica se cria no imagético do espectador, prendendo sua atenção e o fazendo refém das maravilhas da delicadeza excêntrica proferida pelo instrumento. Essa é a vivência sensorial que The Whisper On The Wind permite à audiência.
É sempre marcante quando um material unicamente instrumental consegue oferecer ao seu público não apenas uma gama de texturas, mas uma diversidade de vivências sensoriais bastante generosa. Reflections alcança essa constatação com notável confiança. Por meio de diversas camadas, as quais vão de um minimalismo absoluto a instantes de harmonia resplandecedora, o álbum faz com que o mundo do inconsciente, com suas magias e suas arestas fantásticas, seja o principal guia de cada enredo melódico proposto.
Pairando entre o erudito, o clássico e uma espécie de folk erudito, o álbum permite que o ouvinte se aventure pelo veludo, pelo dulçor, pelo frescor e pelo drama. Tudo oferecido de forma bastante equilibrada para fazer com que a jornada sonora seja, no mínimo, marcante. Não à toa que as cinco primeiras obras do material recebem maior destaque. Afinal, elas capturam de uma maneira mais pungente todas as qualidades aqui listadas.
Ainda assim, é preciso, também, dar o devido destaque à Encantada. Isso porque a faixa traz o violão como protagonista. Com o instrumento, a obra não fica apenas no frescor e na delicadeza. Ela ousa em texturas ao fornecer, pela primeira vez em Reflections, a sensualidade e uma ambiência latina que flerta tanto com a sonoridade do flamenco quanto com brisas do fado. Aqui, inclusive, até o baixo entra em cena. Com suas frases secas e unilaterais, tal elemento confere à canção consistência e firmeza na base melódica. Não surpreende, portanto, que Reflections seja um álbum, de fato, cheio de maravilhas graças à musicalidade sensível de Robert McGinty.
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Spotify: https://open.spotify.com/intl-fr/artist/1EOF1x3GVVerPSGI8XSH2W