Sua introdução já é rapidamente imersa em uma proposta introspectiva marcante. Propondo interessantes e marcantes sobrevoos dramáticos a partir do contraponto do grave tremulante e acentuado do piano com uma espécie de dulçor fresco e melancólico promovido pelo violão em meio à sua contribuição sonora, a composição é tomada por uma energia não apenas dramática, mas, até mesmo, dilacerante, intensa e rascante. Mesmo que suas origens ainda sejam enigmáticas para o espectador, o senso de lamúria e de uma dor emocional lancinante é algo inevitável e irreparável. Enquanto o espectador percebe a presença de golpes secos do bumbo desenhando a cadência rítmica da canção em sua forma estritamente minimalista, o enredo lírico passa a ganhar vida conforme Eoin Shannon entra em cena com seu timbre grave. Por meio dele, o cantor vai experimentando uma interpretação lírica que soa como se fosse a contação de uma história. Uma fábula. Um roteiro denso evidenciado por uma estética folk inebriante. Favorecendo a percepção de uma singela semelhança tanto de timbre quanto de pronúncia para com as atuações vocais de Eddie Vedder, Shannon faz com que o ouvinte mergulhe em meio ao sombrio dilacerante sem aviso. O interessante é notar que, conforme se desenvolve, a atmosfera de I’d Grabbed You A Chair vai sendo tomada por um lampejo sonoro dramático em cuja forma intensifica uma espécie de sensorialidade mórbida. Assim, os suspiros onipresentes da guitarra junto da valsa cabisbaixa do violino faz com que o ouvinte se sinta no limbo. Um lugar em que tempo e espaço se misturam não permitindo a aquisição de lucidez.
Surpreendente talvez seja a melhor palavra que defina a presente obra. Afinal, densamente diferente da proposta cenográfico-sensorial de sua antecessora, a faixa explora uma delicadeza fresca e melodiosa que permite ao ouvinte o vislumbre de uma luminosidade natural agradavelmente morna e envolvente. Mantendo a sintonia entre violino, violão e guitarra de maneira a criar uma estética folk acentuada, mas de sabor doce, Come Down To The River se mostra como uma canção emocionalmente mais equilibrada em que é possível de se identificar até mesmo ligeiros lampejos de uma sensualidade comedida. O interessante é notar que, no momento em que atinge seu ápice narrativo, a canção passa a ser agraciada por uma harmonia mais madura e consistente graças ao afiado coro de backing vocals que preenche um dos entremeios de suas camadas. Promovendo certo grandiosismo, esse novo ingrediente acaba se juntando com a entrada do piano em uma construção de senso levemente dramático que passa a ser transpirado da arquitetura conjuntural da obra.
Charmosa. Não. Ela não é apenas charmosa. Ela traz um viés lexicalmente folclórico. Uma sonoridade que parece dar vida ao fantástico e a todas as ideias imagéticas de um mundo tido como absurdo ou, até mesmo, utópico. Marcada pela união de diferentes dulçores ofertados por instrumentos de sopro como a flauta e o clarinete, a canção é envolta em uma cama melódica suave e fresca cuja desenvoltura se vale pela sua textura amaciada. Ainda que transpirando brisas de uma melancolia não tão pegajosa, a faixa-título é embebida em uma frase percussiva acústica e minimalista que acompanha, durante o ápice narrativo, mais uma experimentação de harmonia vocal. Isso porque, aqui, Shannon, com seu tom grave semelhante ao de Sean Howe, passa a dividir espaço com um tom tão delicado, doce e aveludado que beira o feminino. É justamente a partir desse novo ingrediente que o espectador percebe a existência de nuances romanceadas em meio ao enredo harmônico-melódico da composição.
Continuando sua guinada de distanciamento da melancolia introspectiva pegajosa de I’d Grabbed You A Chair, Shannon apresenta, aqui, algo, de fato, inédito. Tendo a guitarra como protagonista, a atmosfera passa a experienciar uma sonoridade enveredada na paisagem do blues. Com uma sensualidade ligeiramente crua, a canção ainda mantém sua base folk tanto em virtude das raízes de suas sonoridades como da essência da levada rítmica assumida pela bateria. Agradavelmente sincopada, Everybody Got Crazy In Them, com sua tomada de caráter mais radiofônico, mantém, durante o refrão, a exploração da harmonia vocal em virtude da presença daquele mesmo indivíduo presente em Hello Forever. Com essa nova participação, os cantores demonstram a existência de uma sintonia bastante afiada tanto no que se refere aos seus tons quanto às suas sensibilidades.
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A densa paisagem acústica estacionada em I’d Grabbed You A Chair volta à tona com a adoção de uma sonoridade mais crua e minimalista. Evidenciando boa contribuição do baixo na obtenção de uma consistência sonora acentuada, a canção acaba fluindo perante um ambiente em que a sensualidade é um dos ingredientes que moldam seu campo sensorial. Graças à levada da bateria, esse quesito toma ainda mais forma, ao passo que a dupla de violões vai se dividindo entre sons mais abertos e outros fechados de forma a promover um flerte generoso com a estética do southern rock. Sob uma desenvoltura vocal bastante crua, Dear Daddy What Would You Do? rememora, mesmo diante de seu viés acústico bem arregimentado, a temática sonora de nomes como ZZ Top.
Hello Forever é um álbum marcado por uma atmosfera acústica densa e intensa. Caminhando por entre sonoridades que transpiram evidências sensoriais que vão do melodrama à sensualidade, o material se vende pela sua sonoridade folk raiz. Ainda assim, é notável o fato de que o material também é capaz de apresentar nuances melódicas mais abertas, solares e vivas, com notas de um humor um tanto sádico. Melodias essas que colocam sob os holofotes tanto o blues quanto flertes acentuados para com o southern rock.
Ainda que tenha as suas cinco primeiras faixas como as mais marcantes de sua track list, Hello Forever também tem títulos, de certa forma secundários, que engrandecem a sua energia sensorial. A tocante e emotiva Night Is Dark, com seu minimalismo extenso e seu dulçor ofertado graças à presença de Chanele na divisão do microfone, além da entorpecente I Need My Pain e da surpreendente assombrosa Dark November são as responsáveis por fechar a conta experimental desse material, no mínimo, intenso.
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Spotify: https://open.spotify.com/intl-fr/artist/7njGUl8GeClZ8XGu0qD3fk