Está bem longe de quem vos escreve tentar o desvendamento da obra de maneira absoluta. Explico. Primeiro porque tenho um ponto de vista diferente de todos os meus leitores; o que faço é dar-lhes dicas, informações úteis sobre o que se trata determinada criação. E em segundo lugar, e muito importante, é que uma única nota de um instrumento utilizado pode nos contar ideias inesgotáveis, não aparentando uma única verdade, ou um só universo para as pessoas, e para o próprio criador.
Talvez, se tivesse eu mesma produzido, improvisado e entregue aos ouvintes a coleção musical, pudesse afirmar com certeza: olha, significa isso e aquele outro! Confesso que adoro liberdade criativa e mantenho a imaginação dona destes dedinhos que entregam palavras!
Ah, e não posso esquecer de tocar em um outro assunto: o que é belo para você? Vamos pegar uma caixinha e jogar duas pedras lá dentro e deixá-las para observação, embaixo de uma árvore, sob olhares atentos. Pronto. É arte? Sim, não…? Como você vê e sente, cabe somente a você desvendar, e isso é o que torna tudo tão bonito na existência.
Volto a afirmar: estou longe de encontrar uma explicação absoluta para a música! O som e a percepção é que irão contar a história. Talvez repleta de beleza para mim, já, para você, repleta de estranheza. Significa que a arte me toca; atinge o objetivo e fará o sentido que eu der a ela.
Bom, a introdução chega desta forma porque vou apresentar algo diferente. Não queria rotular o jazz como apenas música improvisada e de fusão rítmica. Há muito mais!
Joachim Zoepf, artista baseado emErftstadt, na Alemanha, tem uma longa história de amor com a música. Nascido em 1955, começou a aprender piano aos nove anos e saxofone em 1976. É músico freelancer e professor de música desde 1983. Com interesse particular em arquiteturas diversificadas que se encaixem no mundo das artes cênicas ou visuais, sem perder a alma do jazz, que o habita, e sua habilidade em dar vida momentânea à música, onde estiver. E neste trabalho, presumo que o criador deseja que nossa percepção vá além, que navegue por águas desconhecidas.
“Geschmacksarbeit”, seu sexto álbum solo e uma coleção de 14 faixas, está a nossa disposição para respeitarmos e descrevermos sua complexidade artística: do que é feita a obra e como impacta nossa atenção? Adianto que a adição do elemento eletrônico aos instrumentos acústicos nos dá uma nova perspectiva sobre seus funcionamentos, e que acredito ser exatamente o que faz deste trabalho algo que nos laça o coração e provoca afeição instantaneamente. Vamos lá!
kurzwellen No.1 elabora um saxofone soprano combinado à interface de um computador Max/ Msp, tocados simultaneamente. Por óbvio há a marca do estilo, o jazz, mas no mesmo passo ouvimos passarinhos, um diálogo estranho em uma língua desconhecida e uma luz evidente na faixa, que sem dúvida é algo que faria parte tranquilamente de um cenário teatral, a depender do contexto.
kurzwellen No.2 segue a dinâmica entre computador e instrumento, mas desta vez sua expressão está em um plano soturno; um sopro que vira serpente em uma floresta escura, por onde o trem passa, e logo observamos pela janela um animal feroz rondando nas sombras. Será que sairemos vivos deste passeio?
Em kurzwellen No.3 estamos neste terreno, rodeados de animais selvagens, saxofones riscados e um suspense que, embora breve, nos conecta ao passo anterior.
kurzwellen No.4 inicia como instrumento mais claro ao ouvinte. Aqui é como se estivéssemos sendo transportados de um lado ao outro, como uma viagem no tempo. Vozes misturam-se a composição, o saxofone conversa consigo mesmo e de repente a atmosfera rasga e saltos de ondas sonoras nos levam para diversas épocas.
Em kurzwellen No.5 voltamos para nossa paisagem deslumbrante, agora menos temerosa, rodeada por pássaros coloridos que discutem cantando, através da sonoridade instrumental, ou ainda nos lembram o som que macacos reproduzem em bandos. Poderia ser uma corda desafinada nos fazendo rir, mas é mais uma vez o saxofone combinado com o elemento eletrônico desenhando a cena.
kurzwellen No.6 traz elefantes, quem sabe macacos novamente, e exibe ainda o barulho que a floresta produz, com pequenos raios de luz adentrando o ambiente. Então, algo risca o chão e sentimos a necessidade de continuar nossa peregrinação, consumidos por desvendar todos os segredos que existem ali.
kurzwellen No.7, a última onda curta, abre novamente a brecha temporal através performance do som do instrumento e ficamos entre um ambiente e outro, na dúvida de qual caminho seguir. Uma curiosidade é que há certos momentos em que cordas parecem se entrelaçar à sonoridade, mas sabemos que é apenas o som do sax com o computador nos oferecendo um universo de possibilidades.
langwellen No.1, primeira faixa das ondas longas, nos leva mais à frente na floresta. Aqui estamos situados mais próximos da água e de animais calmos. O som é baixo, quase científico, mas ainda cabe perfeitamente no ambiente que criamos. Nele há sol, e ainda que o barulho da conversa e expressões corporais dos animais confunda nossos sentidos, podemos aproveitá-lo ao máximo.
langwellen No.2 traz ecos, uma câmera lenta; quem sabe uma tempestade se aproxima? Precisamos seguir em frente. Podemos ouvir pessoas ao longe e pedras rolando. Devemos começar a correr?
langwellen No.3 exibe o clarinete baixo acompanhado da interface do computador Max/ Msp, tocados simultaneamente. É uma composição mais profunda, como se um avião estivesse sobrevoando alguma região, ainda naquele tom de mistério e fotografias para descrever. É uma área grande vista de vários ângulos, talvez por isso o elemento eletrônico aqui, caia como uma luva, transparecendo uma conexão alarmante, durante a observação da paisagem espessa e vasta que é percorrida nesta jornada. A mais longa de todas.
Em langwellen No.4 é mistério e suspense total. A faixa destaca texturas, mistura o escuro de um lago com o desvendar de um segredo, e tudo pode acontecer daqui em diante. O clarinete avisa que algo se aproxima com drama o suficiente para nos manter em alerta.
langwellen No.5 oferece ruídos espaçados, asas batendo, algo passando ao fundo, o avião passa sobrevoando, mas agora nosso ponto de vista é de quem está no chão. Um desenho do silêncio que se quebra com acontecimentos comuns e outros nem tanto, daquele momento.
Pulamos para langwellen No.6 e é como se estivéssemos novamente adentrado a floresta, com sons mais abertos, menos perigosos, mas um ambiente onde prevalece a presença de animais. O clarinete nos proporciona uma passagem tranqüila e agradável, ondulando suas notas e trazendo claridade à atmosfera.
langwellen No.7 fecha nossa aventura. O jazz, claro como a luz do dia e alegre, enfeita o caminho enquanto seguimos rumo ao ponto de onde partimos. Tons sobem e descem, brincam, flutuam, conversam, perdem-se um no outro. O sentimento é de que tudo valeu a pena. Agora estamos na cidade barulhenta, com movimento; no peito aquele aperto por estarmos de volta e na memória um emaranhado de lembranças. Será que voltaremos?
“Geschmacksarbeit” nos deu a liberdade de cada respiração, cada dedilhado. Suas criações unem instrumentos e elemento eletrônico em camadas: as continuações dos sons que o instrumento pode oferecer, distorcidas e desviadas pela interface eletrônica; sentimos os passos de quem abusa da criatividade para mostrar que tudo que você observa em filmes, teatros, vídeos comerciais, tudo olha na direção de um artista que experimenta, dá vida à sua música e a enriquece utilizando um computador, saxofone soprano e clarinete baixo. É um grande artista, sem dúvida.
O barco do jazz é grande! Há muito mais para os olhos alcançarem. É possível deixar que a linguagem criadora e intensa divida espaço com outras emoções e nos leve para aonde desejarmos. Compromisso universal do jazz cumprido!
Ouça, agora mesmo, “Geschmacksarbeit” de Joachim Zoepf. Boa audição.
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