A maneira com que o piano se apresenta durante os momentos introdutórios fazem com que a atmosfera seja tomada por densas camadas d uma espécie de delicadeza automaticamente floral e de essência mística. Com suas brisas de frescor, cada uma das melodias pronunciadas separadamente pelas teclas do instrumentam estimula diferentes vertentes de um processo único de introspecção. Não há suspense, não há sombras, não há tensão. Aqui, o ouvinte é colocado em um estado psíquico de transe que lhe permite observar, como um estrangeiro, seu próprio mundo inconsciente. Sob outra lente, portanto, é possível confrontar suas diferentes naturezas, seus distintos impulsos e suas emoções mais conflitantes. Tal como se a Lua surgindo no horizonte fosse capaz de proferir um senso transcendental, o espectador pode ao mesmo tempo se sentir reconfortado ou só. Tudo é apenas uma questão de perspectiva. E Misty Moorland acaba capturando bem esse detalhe, servindo como uma perfeita obra de abertura ao álbum que, simplesmente, propõe tal experiência.
A delicadeza proposta nesse novo cenário não é menos suave ou frágil. Porém, diferente daquela vulnerabilidade proposta na canção anterior, aqui ela vem embebida em generosidade e sutileza a um grau que faz com que o espectador acabe experienciando uma vivência completamente entorpecente. E é justamente nesse quesito que ambos os títulos encontram certa intersecção. No torpor, no contato com o profundo, com a mente. Com o inconsciente. O interessante, porém, é notar que, em Voyage, existe um ponto de vista mais consciente e realista, ainda que torne possível o vaivém entre a fantasia e a racionalidade. Capaz de fazer o ouvinte se perceber em uma estrada rodeada por pinheiros exuberantes no caminho do desconhecido em uma estrada sem destino certo, o senso de independência e liberdade reguem a sua sensorialidade, mas não consegue esconder a sua motivação. Na presente composição, da maneira com que o piano se pronuncia, faz com que o espectador identifique um enredo que traz o protagonista rumo ao seu próprio caminho do autoconhecimento.
O Sol, com sua luminosidade branda e calor ameno provenientes dos primeiros instantes do amanhecer, rodeia as frestas da janela da cozinha de uma cabana de madeira. Ao seu redor, a neve começa a sentir os efeitos dessa brisa de calor e passa a derreter suas camadas mais superficiais. Eis que, assim que aberta, possibilitando a visão do mundo e a entrada da brisa da manhã, tal janela passa a emanar um aroma que mostra a vida acontecendo dentro de suas paredes. O cheiro de café recém-coado perfuma o ambiente e dá aquela primeira injeção de energia para vivenciar as experiências que esse dia em processo de desenvolvimento está apto a oferecer. Ainda assim, o que salta aos ouvidos por meio da maneira com que o piano desenha a melodia nesse novo conceito sonoro-narrativo vai muito além do que o contato com a natureza em sua forma mais fria. O suspiro é um ato constante. O respiro é quase como uma atitude necessária e, portanto, obrigatória que permite a equalização dos ânimos. Glacial, até o momento, soa como a canção mais solitária do álbum a tal ponto que faz a audiência se ver em um mundo de intimismo profundo e marcante.
A noite está em seu auge. No entanto, seu céu é escuro. Não há brilhos estelares e a Lua está com uma iluminação fraca a ponto de deixar a superfície terrena em uma espécie de quase escuridão. Tanto que nem é possível dizer que a luminosidade presente é capaz de se caracterizar como penumbra. O breu rege a atmosfera. Enquanto o indivíduo é visto no canto de um cômodo de cócoras, numa tentativa quase vã de não ser encontrado, as lágrimas escorrem pelo seu rosto regidas por uma liberdade agressiva. Uma ação involuntária em que as dores, os medos e as incongruências de seu emocional conflitante não mais conseguissem ser controladas de maneira consciente e precisassem, desesperadamente, encontrar o curso do alívio. Em Sunkien, o sombrio finalmente entra em voga. E junto a essa atmosfera, vem a melancolia, que se pronuncia de maneira densamente pegajosa a ponto de capturar a emoção do ouvinte de forma incrivelmente certeira.
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É, no mínimo, impressionante. Afinal, desde seu início imediato, a canção parece oferecer uma espécie de resposta direta à composição anterior. Se antes o personagem estava embebido em dor, em melancolia e em uma embrionária depressão, aqui ele se percebe rodeado por injeções de ânimo no que tange a proteção em forma de esperança. Serena e delicada, mas, principalmente, de postura generosa e educadamente compassiva, a presente faixa não sugere apenas a adoção de um ponto de vista mais positivo em relação à vida, mas sugere um apaziguante senso de recomeço. Por meio de suas marolas sonoras cristalinas, o transcendental se funde ao onírico confortando o indivíduo tal como um edredom espanta o frio em uma noite gelada. Capaz até mesmo de surtir percepções ligeiramente românticas por meio de suas notas, Elude é o simples raiar do Sol trazendo a manhã com um vento fresco e cheio de novas possibilidades de fazer a vida seguir seu curso sob um viés não só de esperança, mas de determinação, consciência e gratidão.
Não existe questionamento. Perspectives – Solo Piano é um álbum instrumental que, simplesmente, ganha vida através da perspectiva de cada ouvinte. Da sensorialidade de cada indivíduo que se aventurar por uma audição atenta e, até mesmo, minuciosa aos detalhes. Ainda assim, existem questões que são unânimes diante das experiências sensoriais propostas. A introspecção, a reflexão e a melancolia são emoções presentes em todos os seus enredos melódico-narrativos.
Não é de se espantar, portanto, que seus seis primeiros títulos encapsulem, de forma mais direta, essa proposta sensitiva sugerida por John C Buttigieg. Através deles, o músico, com sua máxima musicalidade e sensibilidade, oferta um prato cheio no que tange o confronto com emoções tão viscerais que fazem o espectador pensar a respeito de sua própria existência. Dessa forma, o álbum soa como um atendimento terapêutico movido pelo som da lucidez encontrando a música do inconsciente.
Mais informações:
Spotify: https://open.spotify.com/intl-fr/artist/4dYymwa1NW5j9UGyRfUL41
Soundcloud: https://soundcloud.com/johncbuttigieg
YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCEpRXbyQXEfT3bWbBtOWdlA