Geralmente quando nos deparamos com o termo punk-rock, imaginamos diretamente uma produção que deixa qualquer possibilidade de aprofundamento estético de fora… Porque de forma automática associamos a uma sonoridade que se ancora na simplicidade, exalando virulência e palavras de ordem juntamente aos clássicos três acordes tão enaltecidos. O que temos aqui é realmente algo que “salta aos olhos”, conceito embasado pela imersão nas obras do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, o criador do dito “teatro do absurdo”, um dos nomes mais eloquentes e importantes dentro do panorama histórico artístico mundial.
A retratação em suas obras de temas inesperados, surpreendentes e incomuns (dotado de extremo “sarcasmo-satírico”) dentro do cotidiano, que revolucionaram a perspectiva das artes cênicas, são o mote deste GRANDIOSO trabalho que é o álbum “The Scapegoat’s Agony”, um conjunto incrível de treze canções arrebatadoras em seu poderio! O grupo alemão Coma Beach construiu sua narrativa neste embasamento de histórias retratando isolamento, dor, raiva e caos para construir uma espécie de “obra-prima do apocalipse”, em seu cenário lúgubre, esfumaçado e de altíssima perspectiva underground, além da simbiose azeitada com outras prerrogativas musicais em seu espectro. E a reflexão no público que Beckett promovia, também adorna diretamente dentro da urgência que “The Scapegoat’s Agony” promove.
A abertura “The Past of the Future” tem introdução soturna, com direito a vendaval caótico enquanto os instrumentos pontuam de forma minimalista junto ao caos. Quando o riff poderoso adentra, temos um arquétipo embebecido em insights garageros, proporcionando uma “sujeira” altamente irresistível para o ouvinte. O protagonismo das guitarras é sentido, inclusive no solo irrefutável que ataca a parede sonora, mas um ponto extremamente crucial é o duelo com os vocais que beiram ao gutural, tamanha a fúria empregada em suas linhas. O ensejo alternativo de cunho noise contribui para um elemento surpresa de intentos impactantes frente a audição.
“Nothing Right” parte de um belo arranjo de baixo para trafegar em uma jornada sensorial avassaladora, onde bebe-se nas fontes mais fidedignas do gênero e se constrói um daqueles HINOS instantâneos frente ao estilo punk-rock de composição. Vale frisar que os vocais assumem uma perspectiva mais carregada de humor non-sense em sua estrutura, mas a encore desconstrói tudo em mergulhar numa explosão apocalíptica exasperada! “Mind Descending” assume ares mais melódicos, e é inevitável não remetermos a lendas como Hüsker Dü e Ramones, em seu aceno dançante e urgente simultaneamente, mas exaurindo personalidade pelos poros, denotando a sólida identidade artística do grupo.
“A Madman’s Dream” inicia com os dois pés na porta, vocais dilacerando juntamente ao instrumental nos primeiros segundos. Vale destacar o refrão com ares de arena, daqueles grudentos e perfeitos para serem gritados de forma entusiástica por uma multidão absurdamente ensandecida! Mais uma grande faixa deste petardo de proporções irremediáveis e furiosas! “Bliss” novamente tem uma intro de purgatório e proporciona uma bela quebrada no disco, ao imergir em contextos mais atmosféricos, com o vocal (impressionante a versatilidade!) se ancorando em aspirações imageticamente hipnóticas. A viagem instaurada, pesada mas ancorada em sutil lisergia, acaba tomando rumos mais ensandecidos inesperadamente, proporcionando de forma abrupta uma quebrada sinergética altamente sedutora.
O clima intimista “Passion” acaba fazendo jus ao título, arrematando proporções épicas em um crescente sonoro realmente impressionante em seu conceito. Os sintetizadores trazem um cenário misterioso, nos conduzindo para um mundo que realmente nos surpreende a cada probabilidade instaurada. A voz é conduzida das entranhas, desprendendo do fundo da alma cada sílaba desprendida! A “montanha-russa” frente a encore literalmente nos “vira de ponta a cabeça”. SENSACIONAL! “Jesu’s Tears” é um daqueles hinos garage-rock primordiais, remetendo bastante aos escoceses do The Jesus and Mary Chain , fazendo uma analogia furtiva ao título. A guitarra exerce papel primordial, aliando a distorção personal e inebriante em ruídos com melodias imergidas em técnica admirável. Outro petardo realmente admirável dentro desta verdadeira obra-prima do caos!
“Astray (Fallen Angel)” é adentrada com o vocal declamado “cuspido”, sendo devidamente atacado por um hardcore de primeiríssima, onde a velocidade de níveis absurdos quebra para cadências de proporção grandiloquentes. O refrão é uma maravilha urgente e intenso, trazendo o maior nível de experimentalismo até então do álbum! “Extreme Masoquist” é punk 77 na veia, transbordando a tradição inflamada do gênero, mas sem abrir mão das varições rítmicas. Não temos dúvidas que os escoceses do The Exploited a teriam em seu repertório com induto clássico. “Absurd” inicia com efeitos guitarreros de incidência etérea, para destilar uma semi-balada de tom melancólico e uma perspectiva de “folk as avessas” simplesmente BRILHANTE!
A resplandecência pop urge na “assobiável” “Another Day”, uma influência direta do Bad Religion e bandas punk com aspirações mais acessíveis. Impressiona como o bardo consegue ser extremamente bem sucedido mediante a toda essa horda de diversidade plena! A maravilhosamente estranha “I Won’t Listen”, é outra pérola irrepreensível, onde o gradativo das melodias vão eclodindo para um espetáculo de rara grandeza, que finaliza o registro em tom sublime. O encerramento com a raivosa “The Final Door”, é um grand-finale para um projeto tão especial e arrebatador em seu intuito! Afirmamos em tons que não precisam ser proféticos pela obviedade: estará em todas as listas de melhores do ano ao final de 2023, não temos dúvidas!!! Disponibilizado abaixo:
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