Algumas bandas e artistas preferem o anonimato. Talvez isso seja uma faca de dois gumes, afinal de contas, muitos propõem a sua arte para se tornarem famosos e/ou ter um reconhecimento pessoal digno. Muitos poucos preferem apenas produzir seu som, se mantendo na discrição, sem se expor tanto e/ou de forma alguma.
Pode causar estranheza, mas o foco pode redobrar quando a intenção é apenas fazer música e não se aparecer. Ao menos é um ponto de vista justificável. E, por falar em justificar, muitos sentem mais curiosidade quando se deparam com um projeto anônimo, afinal de contas isso aguça a mesma.
Pois bem, dito isto, a banda Dead Hazards, de Greenwich, em Londres (sim, o bairro que dá nome ao meridiano), aposta no anonimato e acaba de lançar sua mais nova oferta, o álbum cheio “Saline”. E, depois de ouvir o disco, notamos que não faz diferença nenhuma eles se apresentarem, afinal de contas, “Saline” já é suficiente, tamanha a qualidade das composições encontradas.
E são várias delas, pois eles trazem 13 músicas em quase uma hora de som, o que faz do novo disco um belo de um trabalho de estreia. E tudo caminhando pelo rock alternativo e diversas facetas do estilo, sem se perder em momento algum, pelo contrário, criando uma identidade própria.
Tematicamente “Saline” entrega letras que não têm exatamente um conceito em comum, mas que podem se interligar. O disco explora a desilusão e o distanciamento, agindo como um banho de realidade e as transmutações que ela nos entrega, transformando a vida na aventura que ela é.
O trabalho já chama atenção pela capa, que mostra uma fotografia de um cisne morto, com a cabeça enfiada na água, do qual, após entender a proposta lírica, compreendemos ainda mais o contexto. Ao ouvir o som, então, isso fica ainda mais compreensível.
Som que, aliás, traz uma versatilidade interessante, caminhando pelo rock alternativo, sludge metal, stoner, grunge e doom, de uma forma natural, que mal percebemos quando ele se transcende. Na verdade, a maior parte das músicas mesclam estes subgêneros, trazendo ainda uma leve veia progressiva.
O disco abre com o grunge bem sacado de “Rerouting”, que deixa o Alice In Chains orgulhoso, mas desconfiado. Sim, porque a música traz uma base e um andamento típicos do estilo, mas a sujeira da guitarra ganha contornos do stoner e alguns vocais guturais se fazem presentes. “Whos’ Invited” é ainda mais Seattle, e mantém as guitarras características, começando a dar uma ideia do que temos por vir.
Mas, logo “Remorse” dá uma versatilidade maior, pendendo para o rock alternativo em si, ganhando camadas melódicas mais intensas. Porém, nessa trinca inicial, notamos que a banda não perde sua essência e já cria uma identidade forte, o que é uma façanha por se tratar de uma estreia.
Pois bem, com uns riffs que nos trazem uma relação com a música oriental, incrivelmente só baseados nas guitarras, chega “Unpaid Tolls”, a primeira que entrega uma proposta tendo o sludge como o mote principal.
E, aproveitando para falar no instrumental, é preciso destacar a organicidade da produção, que deixou tudo natural, e o trabalho da cozinha, que soa essencial, principalmente quando falamos de uma sonoridade onde a variação rítmica é intensa. E por falar em variação, destaque também para o trabalho vocal, que soa versátil, sem perder suas características.
Voltando ao disco, “Took a Loan” é excentricidade pura, tendo uma melodia bem interessante, e um ar introspectivo, o que a faz agridoce. Logo chega o principal single, “Prime”, que foi lançado como prévia do disco, do qual compreendemos a escolha assim que ouvimos. A música não é o típico cartão-de-visitas, com aquela acessibilidade mais louvável, mas é aí que está o diferencial, pois não é essa a proposta do Dead Hazards, o que faz da escolha ser compreensível.
Mas, logo chega “Endless Delay”, que traz mais acessibilidade contando com um baixo fundamental. A faixa é seguida por “Mold”, um grunge doom de riff bem sacado e “Crippling Faith”, que traz em suas bases a inclusão bem sacada de um violão, que nos leva novamente aos tempos mais bem trabalhados do grunge.
Entrando na reta final, a gente ainda se surpreende com “Lazyeye”, uma faixa de menos de dois minutos que traz uma mescla de psicodelia e atmosférico com os vocais mais enérgicos do disco. “Hauling Back” traz o grunge mais sombrio de volta, marcando território de vez no estilo.
“Tourist Trap”, em plena penúltima faixa, ainda nos surpreende, trazendo os requintes de ser uma faixa acústica, com um violão poderoso, um piano discreto, mas magistral e até passagens de violino.
Por fim, “Excess” praticamente fecha o disco da forma que ele começou, sendo um grunge com leves toques de blues, provando que a banda tem seu mote, mas não fecha seu leque. Fato é que “Saline” não poderia ser uma estreia melhor e que o Dead Hazard nem precisa apresentar seus membros pra ser uma banda legal. Lindo disco!
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