É como entrar no mundo da imaginação. Um mundo onde os sonhos se misturam com a realidade, criando uma atmosfera alucinógena e penetrante. Nele, maravilhas acontecem e seres surreais existem, deixando sua atmosfera encantadora e mágica. Tudo o que se vê e o que se sente, porém, não passa de um incentivo dado pelo denso e irresistível efeito do torpor ao qual o ouvinte é submetido através da sonoridade sintética branda e pulsante ofertada pela canção. O curioso é perceber que, em meio à sua natureza embrionariamente dançante, a faixa acaba convidando o ouvinte também a explorar detalhes sensoriais de natureza espacial e tecnológico, de maneira a tangenciar com o espectro do sci-fi. Black Sea é uma música que, quando menos se espera, ela conquista a atenção a partir da sua fluidez para um ambiente denotativamente dançante que faz com que o público, de fato, se sinta no centro da pista de dança realizando movimentos corporais que, claramente, tem uma natureza hipnótica e mecânica. Porém, a faixa se destaca por entrar em uma cenografia sombria em que, surpreendentemente, é agraciada por uma linha lírica que ganha vida em virtude de uma voz feminina de caráter doce que torna a sua vivência demasiadamente sensual.
Uma risada ecoante proferida pela mesma voz que se apossou da canção anterior puxa a nova introdução. Porém, da maneira como se apresenta, ela faz com que a obra, desde seu início imediato, mergulhe profundo perante a psicodelia em virtude de seu experimento de textura ecoante. Rapidamente, porém, entre as ondulações opacas do subgrave, o beat começa a se pronunciar de forma consistente e até mesmo racional. Com sua leve rigidez, ele parece se aventurar por algo mais lúcido e menos fantasioso, dando à obra uma seriedade até mesmo ousada. Ainda que linear em meio ao protagonismo do toque estridente do som de seu chimbal, a levada percussiva faz com que Discovery, de certa forma, tenha uma dose levemente superior de torpor em relação àquela ofertada em Black Sea. O interessante, no entanto, é notar que, mesmo com essa estridência pulsando na mente do ouvinte, a composição, de uma forma bastante curiosa, faz com que a audiência se sinta como se estivesse, de fato, submersa no oceano e escutando apenas o som opaco da movimentação da água em meio às suas profundezas quase abissais.
Aqui é um sonar ácido e repentino que é o responsável por fazer o nascimento desse novo enredo musical. Dando destaque para um beat de natureza trotante e bem marcado, Shooting Star surpreende o ouvinte com alguns vieses inéditos. O primeiro é que ela traz uma sensualidade real e não apenas sensorial. Afinal, a sua própria melodia assume uma cadência de natureza puramente provocante. Outro ponto importante é o fato de que ela experiencia um toque groovado que muito faz parecer ser proveniente do baixo, mas que, na verdade, vem do sintetizador. Ainda assim, seu groove dá corpo e consistência melódica no que tange todo o seu enredo instrumental, sem se desviar de seu caráter dançante. Chegando a ser até mesmo irresistível em sua totalidade, a faixa é onde a libido encontra a dança.
Através do sonar aveludado e levemente ácido, a obra, desde seu início imediato, oferece ao ouvinte uma sensorialidade mais branda e aconchegante. Tendo no som seco e levemente estridente do chimbal o elemento a denotar seu compasso rítmico, a canção parece ser o perfeito recorte do instante em que a escuridão da noite vai dando lugar aos primeiros raiares de Sol em um novo amanhecer. É a captura do crepúsculo da manhã com seu toque místico em meio aos seus tons que misturam essências ácidas e pastéis. Em Neptune, o toque cavalgante da percussão faz com que o ouvinte viva sua jornada sensorial de forma mais consciente, ainda que seja puxado com frequência para o mundo do torpor e da magia.
É interessante e até mesmo um tanto cômico o fato de o som percussivo que puxa a introdução parecer uma repetição de espirros travados. Ainda assim, seu montante de repetições garante que o ouvinte vá sendo gradativamente hipnotizado, o tornando uma espécie de marionete de suas propostas de aventura sensorial. Conforme um som grave vai emergindo do longe e ganhando cada vez mais espaço, ao passo que o beat vai aumentando rapidamente a sua cadência, o ouvinte é levado para um cenário desconhecido, inóspito e que permite um generoso e denso mergulho na insegurança e no medo. É como se o vazio e o silêncio fossem, juntos, o combo perfeito que instiga a máxima vulnerabilidade naqueles viajantes de primeira viagem pelo inconsciente e pelo mundo da ilusão. Isso acontece até que, de maneira curiosamente macia, Strange Planet permite a entrada de uma sonoridade azeda e bojuda, garantindo sinais de uma melodia crescente que leva o espectador para o encontro de uma tomada de percussão acústica.
Techno Village não é um lugar específico, mas um universo inteiro. Um universo em que o ouvinte tem acesso a planetas, a pessoas e a experimentações sensoriais que vão muito além daquilo que a consciência pode rotular e definir. De veia dançante em meio à sua base instrumental techno, o álbum é composto por uma coleção de faixas que trazem o torpor como a sua principal experiência. Não à toa que ele é percebido em demasia durante as cinco primeiras obras do álbum.
Entre paisagens sombrias e sensuais, o material também consegue misturar noções de opacidade e corpulência, de forma a combinar um groove de caráter acústico com toques digitais provenientes também do sintetizador, algo observado igualmente em Roger’s Consentration. Outro detalhe importante é que o álbum é preenchido majoritariamente por frases pulsantes, o que faz com que Mario também mereça maior visibilidade.
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